Quem é Jesus na Umbanda?

Raphael PH. Alves

8/25/20257 min ler

Se você caiu aqui, é porque a pergunta "Quem é Jesus na Umbanda?" tá martelando na sua cabeça. E eu aposto que a primeira, e talvez única, resposta que você ouviu foi: "Jesus é Oxalá". Simples, rápido, direto. Mas, entre nós, essa resposta é preguiçosa. É um atalho que apaga a história, a teologia e a profundidade de duas forças espirituais gigantescas que merecem muito mais do que uma simples fusão.

Nessa nossa conversa, vamos por um caminho diferente. Um caminho que honra Jesus por quem ele foi e honra Oxalá por quem ele é. Vamos falar de Jesus como Mestre Espiritual. Como o maior e mais perfeito exemplo de mediunidade que a humanidade já conheceu. E vamos entender por que, para a Umbanda, essa visão faz muito, mas muito mais sentido.

No prefácio de um livro muito importante sobre a nossa religião, eu Raphael PH. Alves lhe convido a nos despirmos de "crenças limitantes" para mergulhar no conhecimento. É exatamente isso que faremos aqui: deixar de lado a resposta fácil para encontrar uma verdade muito mais rica, profunda e, sinceramente, muito mais bonita. Preparado? Então vamos juntos.

O Sincretismo com Oxalá: Por Que Existe e Por Que é Insuficiente?

Primeiro, vamos dar o devido respeito à história. O sincretismo não nasceu do nada. Ele foi uma ferramenta genial de sobrevivência e resistência. Nossos irmãos escravizados, arrancados de sua terra e proibidos de cultuar seus Orixás, usaram a inteligência e a fé para manter suas tradições vivas. Eles olharam para os santos católicos impostos a eles e encontraram correspondências, associando cada Orixá a um santo para poderem, sob o disfarce do catolicismo, continuar louvando suas divindades. Foi um ato de coragem, de astúcia e de um amor inabalável por sua espiritualidade.

Mas por que justamente Oxalá foi associado a Jesus? A resposta está na essência desse Orixá magnífico. Em estudos sobre a estrutura da Umbanda, como o livro "Descubra o Significado do Nome do Seu Exu", vemos que a linha de Oxalá rege sobre a liderança e a realeza (com Exus como Exu Rei e Exu Maioral), sobre a Luz (com Exu Lúcifer, cujo nome vem do latim e significa 'portador da luz', e Exu do Sol), e sobre as Sete Vibrações de Deus (com o Exu das 7 Encruzilhadas). Agora, pense nos títulos de Jesus: "Rei dos Reis", "Luz do Mundo", o filho direto de Deus. A conexão é perfeita, quase poética. Não foi uma associação aleatória, foi uma correspondência simbólica brilhante. Ambos representam o princípio, a criação, a luz maior, a fé e a realeza divina.

Entender essa associação histórica é fundamental. Mas dizer que um É o outro é apagar a identidade de ambos. E aqui está o ponto central da nossa conversa. Oxalá é um Orixá. Uma força primária da natureza, um mistério divino em si mesmo, o Trono Masculino da Fé, uma das emanações diretas de Deus que rege a todos, sem nunca ter encarnado. Jesus foi um espírito em missão na Terra, um mestre que vestiu um corpo de carne para caminhar entre nós e nos ensinar pelo exemplo. As "funções" cósmicas são diferentes.

Reduzir um ao outro é como dizer que o sol e uma lâmpada são a mesma coisa só porque ambos iluminam. Um é a fonte geradora, o mistério da luz em si. O outro é um ponto de luz focal, uma manifestação dessa luz para um propósito específico. Dizer que Jesus é Oxalá limita a imensidão de Oxalá e descaracteriza a missão terrena de Jesus. Por isso, essa resposta, embora historicamente compreensível, é teologicamente insuficiente para a Umbanda.

Jesus como Mestre Espiritual: A Vibração Crística na Umbanda

Então, se Jesus não é Oxalá, quem ele é? Para entender onde Jesus se encaixa, precisamos olhar para a organização do plano espiritual. A Umbanda é hierárquica e organizada, como vemos na forma como os Guias se apresentam sob a regência de um Orixá. Acima dos Orixás, que são as forças divinas, e ao lado dos Guias que trabalham diretamente conosco (Caboclos, Pretos Velhos, Crianças, etc.), existe uma categoria de seres de luz imensa: os Mestres Ascensionados. São espíritos que atingiram um grau de evolução altíssimo, que já não precisam mais reencarnar compulsoriamente, e que dedicam sua existência a guiar a humanidade em seu caminho evolutivo.

Dentro dessa egrégora de Mestres, Jesus é visto como um dos mais elevados, se não o mais. Ele não é um Orixá, mas um Mestre Planetário cuja mensagem de amor incondicional, perdão e caridade forma a base moral e ética da Umbanda. Não é à toa que a Lei máxima da Umbanda é "amor e caridade", e ninguém personificou isso melhor que o Mestre Jesus. Ele é o grande Patrono Espiritual da nossa religião.

A genialidade dessa visão está em entender que a energia de Jesus não está contida em uma única Linha ou Vibração. Lembra do conceito de "Nomes Entrecruzados" que o livro sobre Exus explica, onde um Guia pode atuar na força de mais de um Orixá, como um "Exu Tranca Ruas das Almas", que une a força de Ogum (Ruas) com a de Obaluayê (Almas)?. A Vibração Crística de Jesus é o "entrecruzamento" supremo. Ela permeia e qualifica todas as Sete Linhas da Umbanda. O amor de Jesus está na linha de Oxum, sua justiça na de Xangô, sua cura na de Obaluayê, sua retidão e lei na de Ogum, seu conhecimento na de Oxóssi, sua sabedoria na de Nanã e sua fé na de Oxalá. Ele não é Oxalá; Ele está EM Oxalá, assim como está em todos os outros. Sua energia é a argamassa divina que une todas as manifestações de Deus, dando a elas o propósito maior da caridade.

O Grande Médium: Jesus como o Canal Perfeito do Divino

Essa visão de Jesus como Mestre nos leva a um dos conceitos mais lindos e práticos da Umbanda: Jesus como "o grande Medium".

Ser médium na Umbanda é ser uma ponte. Um canal entre o céu e a terra, que empresta sua matéria, sua voz, sua energia para que os Guias Espirituais possam trazer sua mensagem de luz, consolo e caridade. É um ato de doação, de renúncia do ego para servir a um bem maior. O médium se esforça para ser um canal limpo, fiel à mensagem do Alto.

Agora, olhe para a vida de Jesus sob essa ótica. Ele foi o canal mais puro e perfeito da vontade Divina que já existiu. Cada palavra que ele proferia, cada cura que realizava, cada milagre que operava, não vinha do "homem" Jesus, mas era a manifestação direta da energia de Deus Pai/Mãe fluindo através dele, sem o filtro do ego, da vaidade, do orgulho ou do medo. Ele não "incorporava" um guia; ele era a própria manifestação do Divino na Terra. Ele vivia em estado de mediunidade constante e perfeita. Por isso, ele é o arquétipo, o modelo, "o grande Medium".

O exemplo de Jesus é o norte para todo médium umbandista. Ele nos ensina que a verdadeira mediunidade não é sobre fenômenos, sobre ver ou ouvir coisas extraordinárias, mas sobre serviço. É sobre esvaziar-se de si mesmo para ser preenchido pelo amor do Alto. A firmeza, a dedicação, a renúncia, a humildade e a fé inabalável de Jesus são o ideal que todo médium busca alcançar em seu desenvolvimento. Quando um médium estuda, ora, se firma e busca a reforma íntima, ele está, na verdade, tentando limpar seu canal para ser um reflexo, ainda que pálido, da pureza que foi o Mestre Jesus.

A Presença de Jesus no Terreiro.

E como tudo isso se manifesta na prática, no dia a dia do terreiro? É muito simples e, ao mesmo tempo, muito profundo. Olhe para o coração de todo terreiro de Umbanda: o congá, nosso altar sagrado. Quase invariavelmente, no ponto mais alto, central, abençoando tudo e todos, você encontrará a imagem de Jesus. Ele não está ali como Oxalá, mas como Mestre Jesus, o patrono da nossa fé, o farol que ilumina e aprova todos os trabalhos de caridade que ali acontecem.

Sua presença também é sentida nas preces. A oração do "Pai Nosso", ensinada por ele, é frequentemente usada para abrir e fechar as giras, para harmonizar o ambiente, para acalmar um coração aflito e para conectar toda a corrente mediúnica à vibração do Divino.

Aqui, é importante entender um ponto crucial: você não verá uma entidade "baixar" no terreiro se apresentando como Jesus. Sua vibração é de uma sutileza e elevação que transcende a manifestação mediúnica de incorporação como a conhecemos. Mas sua energia é constantemente evocada e sentida. Ela é chamada para consagrar a água que será usada para cura, para acalmar um consulente desesperado, para irradiar paz sobre a corrente mediúnica e a assistência. Ele não "vem", ele JÁ ESTÁ, como a vibração de amor que sustenta todo o trabalho. A ausência de incorporação não é um sinal de menor importância, mas sim de uma vibração tão elevada que sua influência é mais sutil, ambiental e onipresente, como a própria atmosfera do amor.

Unindo os Pontos: Na Umbanda, Jesus é a Lei

Então, voltando à nossa pergunta inicial: Quem é Jesus na Umbanda?

Ele não é Oxalá, embora a associação histórica seja compreensível e deva ser respeitada.

Ele é o Mestre dos Mestres, o Patrono Espiritual da nossa fé, cuja vibração de amor permeia todas as Sete Linhas.

Ele é o arquétipo do Médium perfeito, cujo exemplo de doação, humildade e amor incondicional é o farol que guia a jornada de todo umbandista.

Essa compreensão não diminui ninguém. Pelo contrário, ela coloca cada força em seu devido lugar de grandeza. Oxalá como o Orixá da Fé, o Mistério Divino que nos impulsiona a crer. Jesus como o Mestre do Amor, a personificação da Lei Maior que rege a aplicação dessa fé: a Caridade. Um é a Força Divina, o outro é o exemplo máximo de como viver essa força na Terra.

No fim das contas, a Umbanda nos ensina que a espiritualidade é sobre unir, não sobre separar. A presença de Jesus em nossa fé é a prova disso. Ele é a ponte que conecta todos os corações, de todas as crenças, sob a mesma bandeira do amor ao próximo.

Que a bênção do Mestre Jesus e a paz de Pai Oxalá estejam sempre com você. Axé!