Conheça os Exus de Oxalá

Raphael PH. Alves

7/22/202510 min ler

Saravá, meu irmão, minha irmã de fé. O assunto de hoje é daqueles que dão um nó na cabeça de muito umbandista: Exus de Oxalá. Parece até coisa de doido, né? O Orixá da paz, da tranquilidade, do branco mais puro, tendo Exu em sua linha? Pois é. E eu te digo: não só tem, como é fundamental que tenha. E é pra desatar esse nó que a gente tá aqui hoje, sem papas na língua, sem "umbandês" complicado. Vamos direto na raiz do mistério.

Para entender essa aparente contradição, esse paradoxo que parece quebrar a lógica da nossa fé, a gente precisa dar uns passos para trás. Não dá pra pular direto no meio do rio sem antes conhecer a correnteza. Primeiro, a gente precisa entender quem é Exu de verdade, despido do preconceito e do medo que jogaram em cima dele. Depois, precisamos sentir a vibração do nosso Pai Oxalá, o que ele representa na Criação. E o mais importante de tudo: a gente vai precisar entender como a grande engrenagem do universo divino funciona na Umbanda. A gente vai desmontar essa máquina peça por peça pra você ver como tudo se encaixa perfeitamente. No final, você vai ver que não há contradição nenhuma, apenas a mais pura e bela lógica divina em ação.

Quem é Exu na Umbanda, Afinal?

Antes de qualquer coisa, vamos botar o pingo no "i". A primeira imagem que vem na cabeça de quem não conhece a nossa religião quando se fala em Exu é a do diabo cristão: chifres, rabo, tridente, o senhor das trevas. Vamos ser claros: isso é a maior besteira e o maior desrespeito que já fizeram com uma divindade. Essa associação foi uma ferramenta de preconceito, usada lá atrás para demonizar as religiões de matriz africana, para nos colocar como adoradores do mal. Exu não é demônio. Exu não é o mal encarnado. Exu é Mistério Divino. Exu é Lei. Exu é trabalho. Quem não entende isso, não entendeu nada de Umbanda.

Para desatar esse nó, o primeiro passo é entender que quando falamos "Exu", podemos estar falando de duas coisas diferentes, e essa distinção é a chave de tudo.

A Dupla Natureza de Exu: Orixá vs. Entidade

Existe o Orixá Exu e existem os Exus de trabalho, que são os guias espirituais que incorporam nos terreiros. Eles não são a mesma coisa, mas um está contido no outro.

O Orixá Exu é uma Divindade, um poder primordial emanado diretamente de Olorum, nosso Deus Criador. Ele é um dos mistérios mais profundos da criação. Enquanto Oxalá é o Orixá que rege o espaço, a plenitude, o Orixá Exu rege o Vazio. Pense nisso: para que algo possa existir, primeiro precisa haver um espaço vazio para que essa coisa ocupe. O Vazio de Exu é o que permite a existência do Espaço de Oxalá. Por isso, na cosmogonia Nagô, Exu é sempre o primeiro a ser reverenciado, pois sem ele, nada se cria, nada se manifesta. Além de reger o Vazio, o Orixá Exu é a própria vitalidade, o princípio da comunicação, o mensageiro que leva as petições e as respostas entre os homens e os outros Orixás. Ele é a potência que põe o universo em movimento.

Já os Exus de trabalho, ou Exus Guardiões, que se apresentam como Tranca-Ruas, Marabô, João Caveira e tantos outros, são espíritos em evolução. São seres que, em suas jornadas, se afinaram com o mistério do Orixá Exu e passaram a atuar dentro de sua irradiação, de sua faixa vibratória. Eles foram "exunizados", ou seja, foram admitidos na linha de trabalho de Exu para cumprirem suas missões kármicas e servirem à Lei Maior. Eles são os manifestadores espirituais desse mistério divino no nosso plano.

Nosso Pai Oxalá: A Paz e a Criação

Do outro lado desse eixo cósmico, temos nosso amado Pai Oxalá. Se Exu é a potência e o movimento, Oxalá é a paz e a calmaria. Ele é o Orixá da Fé, da harmonia, da fraternidade, da congregação. Oxalá é a própria fé manifestada. Ele é o poder divino que nos sustenta, que nos acalma a alma e nos religa diretamente a Olorum.

Rubens Saraceni descreve de forma belíssima que, na presença de Oxalá, nos sentimos em paz e em harmonia, e a esperança brota naturalmente em nosso íntimo. Na presença dele, a confiança e o perdão surgem, pois começamos a nos sentir fortes e aceitamos perdoar quem nos enfraqueceu. Isso mostra que Orixá não é uma imagem estática num altar; é uma energia viva que se sente, se vivencia e que nos transforma por dentro.

Se Exu rege o Vazio, Oxalá é o Princípio Criador que rege o Espaço, a Plenitude, o Sagrado. Ele é a luz que preenche o Vazio, o princípio que ordena e dá sentido à Criação. Sua cor é o branco, que na física é a soma de todas as outras cores. O branco de Oxalá representa a pureza original de onde tudo parte e para onde tudo um dia retornará. Ele é o ponto de partida e o ponto de chegada.

Todo Orixá Tem Seu Oposto Complementar (A Engrenagem Divina)

Agora que entendemos as duas pontas, vamos ao segredo que as une. Na teologia de Umbanda, nada existe sozinho. A criação divina não se manifesta como uma força única, mas em pares de energias que são, ao mesmo tempo, opostas e complementares. Isso não é uma luta do bem contra o mal, como em outras religiões. É uma dança de forças que se equilibram para manter o universo em harmonia. Pense em Ogum, o Orixá da Lei, que é estático, e em Iansã, a Orixá dos Ventos, do movimento. A Lei precisa do movimento para ser aplicada, e o movimento precisa da Lei para não virar caos. Um complementa o outro.

O eixo fundamental que sustenta toda a Criação é justamente o par Oxalá e Exu. Eles são as duas faces da mesma moeda cósmica.

A relação entre eles é a base de tudo. Como já dissemos, Oxalá, o senhor do Espaço e da Plenitude, só pôde criar porque Exu, o senhor do Vazio, permitiu e cedeu seu domínio. O espaço precisa do vazio para existir. A luz precisa da escuridão para ser percebida como luz. Um não anula o outro; um define o outro.

Pense no nosso terreiro. Ele é um local sagrado, um ponto de força de Oxalá. Mas ele só é sagrado porque existe uma porta, uma rua, um limiar que o separa do mundo "profano". Quem é o guardião dessa porta, desse caminho que leva ao sagrado? É Exu. Por isso dizemos que "Sem Exu, não se chega aos Orixás". E, por consequência, "Sem Exu, não se chega a Oxalá". Isso não é só um ditado de terreiro, é um fundamento cosmológico profundo.

A luz de Oxalá é a fé pura, a energia sutil da paz. A energia de Exu é o vigor, a potência, a força que ancora essa luz na matéria e a defende. Sem a força guardiã de Exu, a paz de Oxalá seria frágil e vulnerável. A fé sem ação e proteção se torna ingênua; a força sem um propósito elevado se torna bruta e sem direção. A Umbanda, através dessa polaridade, nos ensina um caminho espiritual completo, que não nega nem o céu, nem a terra.

Então, Quem São os Famosos Exus de Oxalá?

Se chegamos até aqui, a conclusão se torna óbvia. Se todo Orixá é um poder divino que se manifesta em hierarquias espirituais, e se toda hierarquia tem sua Direita (Caboclos, etc.) e sua Esquerda (Exus), então Oxalá, como o Orixá Maioral, o sustentador da Fé, não poderia ser uma exceção. Ele também tem seus Exus. Os Exus de Oxalá são a manifestação de sua força ordenadora e guardiã nos planos mais densos e nos limiares da fé.

Mas como são esses Exus? O arquétipo deles é diferente daquele Exu mais conhecido, brincalhão, falante, que gosta de uma boa gargalhada. Os Exus da linha de Oxalá tendem a ser mais discretos, mais serenos, por vezes até silenciosos. São grandes observadores. Sua energia é mais "fria", mais mental, em contraste com a energia "quente" e explosiva de um Exu de Ogum ou de Xangô. Muitos se apresentam na roupagem fluídica de "velhos" ou "sábios", refletindo a própria ancestralidade de Pai Oxalá. Eles são os guardiões dos portais sagrados, não apenas dos terreiros, mas de todos os templos de fé, de qualquer religião, e também dos portais da nossa própria consciência.

Na literatura, encontramos alguns nomes simbólicos que nos ajudam a entender sua atuação.

Nomes de Exus de Oxalá e Seus Significados

  • Exu das 7 Encruzilhadas: Este é um nome de imenso poder e responsabilidade. Ele tem a permissão de transitar nas Sete Vibrações de Deus, ou seja, nas Sete Linhas de Umbanda. Sua principal função é direcionar o caminho dos espíritos perdidos, que estão vagando sem rumo, para que encontrem a luz. É o grande ordenador dos caminhos da fé.

  • Exu Lúcifer: Calma, respira! Esqueça o diabo da igreja. Na Umbanda, esse nome tem origem no hebraico, de "lucis" (luz) e "ferre" (portador). Ele é o "Portador da Luz". Sua função é trazer clareza, entendimento, iluminar o que está escondido nas sombras da ignorância. Ele é o Exu que combate o fanatismo e a fé cega, trazendo a luz da razão para dentro da religiosidade.

  • Exu Maioral: O nome já diz tudo. Ele é visto como um líder, um guia, um protetor. Sua presença é sinônimo de autoridade e comando, características que correspondem diretamente ao Orixá Oxalá, que é considerado o gestor do nosso planeta. É importante não confundir o Exu Maioral da Umbanda com o da Quimbanda, que são fundamentos completamente diferentes.

  • Exu das Sombras: Este Exu trabalha com as energias mais ocultas e misteriosas. Ele está ligado a Oxalá por um princípio fundamental da física e da espiritualidade: ele é o contraponto da Luz. Sem a Luz, não existe sombra. Ele é um mestre em lidar com o que está escondido nas profundezas da nossa alma e nos cantos secretos do universo espiritual, nos ajudando a explorar e entender o desconhecido.

  • Exu 7 Chaves: É o guardião dos segredos, dos mistérios. É aquele que tem as chaves que abrem e fecham os portais do conhecimento sagrado. Ele atua contra o dogmatismo, a ignorância religiosa e o fanatismo. É o Exu que trabalha para abrir a mente das pessoas para a verdadeira fé, aquela que liberta, e não a que aprisiona em regras e culpas.

  • Exu 7 Capas: É o guardião das Leis Divinas em seus aspectos mais ocultos. Sua capa simboliza a proteção contra ataques astrais que visam minar a fé de uma pessoa ou de um templo. Simboliza também a capacidade de ocultar os mistérios divinos dos olhos profanos e de revelá-los àqueles que demonstram merecimento.

Como Eles Trabalham e o Que Pedem?

O campo de trabalho principal dos Exus de Oxalá é, obviamente, o campo da Fé. Eles atuam para quebrar a rigidez do fanatismo, o orgulho intelectual daqueles que se acham donos da verdade, e a cristalização de dogmas que aprisionam a alma em vez de libertá-la. São grandes doutrinadores de espíritos que, em vida, foram líderes religiosos tiranos, inquisidores ou fanáticos. Eles trabalham no silêncio, agindo diretamente na mente, desfazendo amarras mentais e emocionais que prendem os seres a uma fé cega ou deturpada. Eles são os protetores dos locais sagrados contra ataques de forças trevosas que buscam profanar a fé e instalar o caos.

E quanto às suas oferendas? Aqui vemos a beleza da lógica umbandista. Sendo Exus, eles manipulam as energias primordiais da Esquerda. Portanto, elementos como o marafo (cachaça), charutos e as velas pretas e vermelhas continuam sendo suas ferramentas, pois são catalisadores energéticos indispensáveis. Contudo, por vibrarem na linha de Oxalá, é muito comum que eles peçam também elementos ligados a este Orixá, criando um sincretismo na própria oferenda.

Não se espante se um Exu de Oxalá pedir, junto com as velas pretas, velas brancas. Ou que peça flores brancas, especialmente cravos brancos. Ou que peça para riscar seu ponto com pemba branca. Às vezes, em vez da cachaça mais rústica, podem pedir bebidas brancas de boa qualidade, como um bom gim ou licores claros. A oferenda é sempre um espelho da vibração da entidade. A mistura desses elementos é a materialização da sua função: fazer a ponte entre o sagrado e o profano, o alto e o baixo. A oferenda não é um "pagamento", mas um ato mágico que sintoniza o médium com essa vibração de equilíbrio.

Seus pontos de força preferenciais também refletem essa dualidade. Eles recebem oferendas nas encruzilhadas de caminhos de terra, mas também em campos abertos, montes, locais altos e tranquilos, sempre em lugares limpos e de paz, que ressoam com a energia de Pai Oxalá.

Sem Exu, Não se Chega a Oxalá

Ao final dessa nossa conversa, espero que aquele nó na cabeça tenha se desfeito. A Umbanda é uma religião de equilíbrio. Não se pode cultuar apenas a "luz" e negar a "sombra" que lhe dá forma e a protege. Oxalá é a paz, mas Exu é o guardião que garante que essa paz não seja perturbada.

Os Exus de Oxalá não são uma contradição. Eles são, na verdade, a mais pura e sofisticada expressão da lógica divina na Umbanda. Eles são a prova viva de que a força mais contundente pode e deve servir ao propósito mais elevado. São a prova de que a fé mais pura e cristalina precisa de guardiões vigilantes para se manter intacta neste nosso mundo.

Então, da próxima vez que você pensar em Pai Oxalá e em sua paz infinita, lembre-se que essa paz é guardada por guerreiros incansáveis que atuam no limiar. E da próxima vez que ouvir falar de Exu, lembre-se que seu trabalho é tão sagrado e fundamental que ele serve até mesmo ao mais alto dos Orixás. Na Umbanda, meu irmão, minha irmã, não há diabo a ser temido nem santo intocável. Há trabalho, há lei e há equilíbrio.

Laroyê Exu!

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