O que é a Umbanda e no que acreditam?


Se você chegou até aqui, é porque provavelmente já ouviu falar de Umbanda. E, vamos ser sinceros, deve ter ouvido de tudo um pouco, né? Que é macumba, que mexe com coisa ruim, que é coisa do diabo... Enfim, um monte de papo furado que, na maioria das vezes, vem do preconceito e da falta de informação.
E pra começar, esquece tudo o que você acha que sabe e segura essa informação, que é a mais importante de todas: a Umbanda tem um pilar, uma base que sustenta tudo, e essa base é a caridade.
Quando a Umbanda se anunciou pro mundo, a primeira frase dita pelo espírito que a trouxe, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, foi: "A Umbanda é a manifestação do Espírito para a Caridade". Guarda isso. Tudo o que você vai ler daqui pra frente se apoia nessa frase. É o nosso norte, nosso começo, meio e fim.
Nesse papo, a gente vai desenrolar a história da Umbanda, explicar em quem a gente acredita (já adianto: é em Deus, viu?), quem são esses espíritos que "baixam" nos terreiros, e vamos botar os pingos nos is sobre Exu e Pombagira, que são os que mais sofrem com a fofoca e o preconceito. Então, senta aí, abre a mente e o coração, que a gente vai conversar.
A Raiz de Tudo: Uma Religião com RG e CPF Brasileiros
Pra entender a Umbanda, a gente precisa voltar no tempo. Mais precisamente para o dia 15 de novembro de 1908, em Niterói, no Rio de Janeiro. Um jovem de 17 anos, chamado Zélio Fernandino de Moraes, que vinha sofrendo com umas manifestações mediúnicas estranhas, foi levado pela família a uma sessão da Federação Espírita.
Naquela época, o Espiritismo Kardecista no Brasil era bem elitista. Só eram bem-vindos os espíritos de "doutores", filósofos, gente "evoluída". Se aparecesse um espírito que em vida tinha sido um índio, um negro escravizado ou um Zé ninguém, a turma já olhava torto e mandava o espírito "buscar a luz" em outro lugar, porque ali eles eram considerados "atrasados".
Pois bem, no meio da sessão, Zélio manifestou um espírito. Com uma postura firme, ele se identificou como Caboclo das Sete Encruzilhadas. Obviamente, a diretoria da mesa tentou enquadrar o espírito, dizendo que ele era atrasado. A resposta do Caboclo foi um marco: ele anunciou que, se ali não havia lugar para os humildes, então ele fundaria um novo culto, no dia seguinte, onde esses espíritos poderiam trabalhar e evoluir.
E assim foi feito. No dia 16 de novembro, na casa da família de Zélio, o Caboclo voltou e declarou fundada a Umbanda, com uma mensagem que é a nossa alma até hoje: "Com os espíritos mais evoluídos aprenderemos; aos mais atrasados ensinaremos; e a nenhum renegaremos!". Logo depois, manifestou-se também um Preto-Velho, Pai Antônio, reforçando que ali era um lugar de humildade e acolhimento.
A Umbanda nasceu, portanto, como um ato de inclusão, um grito de liberdade espiritual contra o preconceito. Ela se tornou um verdadeiro "pronto-socorro espiritual", de portas abertas para todos, encarnados e desencarnados, sem distinção. E é por isso que ela é tão brasileira: ela é uma síntese, uma mistura que deu certo. Ela tem a base moral do Cristianismo, o conhecimento da mediunidade do Espiritismo, a sabedoria das ervas e o respeito à natureza dos nossos povos indígenas, e a força e a magia dos Orixás e dos ancestrais dos povos africanos. É um verdadeiro "amálgama cultural" que reflete a alma do nosso povo.
A Crença Principal: Um Deus Só, Várias Vibrações (Os Orixás)
Vamos direto ao ponto pra não ter dúvida: Umbanda é monoteísta. A gente acredita em um único Deus, o Criador de tudo e de todos. Nós o chamamos por vários nomes, como Olorum, Zambi ou Tupã, mas estamos falando da mesma força maior, da mesma inteligência suprema que rege o universo.
"Mas e os Orixás? Vocês não acreditam em vários deuses?" Não. E essa é a confusão mais comum. Pensa assim: a luz do sol é uma só, certo? Mas quando ela passa por um prisma ou pelas gotas de chuva, ela se decompõe nas sete cores do arco-íris. Os Orixás são como essas cores. Eles não são outros deuses, são as qualidades, as manifestações, as vibrações do Deus único.
Cada Orixá representa uma força pura da natureza, um "ministério" de Deus na Criação. Eles são as energias vivas que regem o mundo:
Oxalá: A Fé, a paz, a criação. É sincretizado com Jesus Cristo.
Iemanjá: A Geração, a maternidade, a força dos mares e oceanos.
Oxóssi: O Conhecimento, a fartura, a caça, a energia das matas.
Xangô: A Justiça divina, o equilíbrio, a força das pedreiras e do fogo.
Ogum: A Lei, a ordem, a abertura de caminhos, a força do ferro.
Oxum: O Amor, a beleza, a fertilidade, a energia dos rios e cachoeiras.
Obaluaiê/Omolu: A Evolução, a transmutação, a passagem da vida para a morte e da morte para a vida. A terra que tudo transforma.
Essas são as Sete Linhas de Umbanda, as sete vibrações primordiais de Deus. Quando fazemos uma oferenda na cachoeira, não estamos adorando o rio, mas nos conectando com a vibração do Amor Divino manifestada por Mamãe Oxum naquele ponto de força. É uma forma de entender que Deus não está num céu distante, mas aqui, presente e atuante em cada elemento da natureza.
Uma diferença importante é que, na Umbanda, essas forças são universais. Ogum, por exemplo, é o guardião de todos, uma energia que todos podem acessar. Em outras religiões de matriz africana, como o Candomblé, a relação com o Orixá é mais individual, onde cada pessoa tem o "seu" Orixá de cabeça, numa ligação mais pessoal e direta. São visões diferentes, e ambas merecem respeito.
"Quem Baixa no Terreiro?" Conhecendo a Família Espiritual
A comunicação com essas forças divinas e com o plano espiritual acontece através da mediunidade. Médium é simplesmente uma pessoa que tem uma sensibilidade mais aguçada para servir de "ponte" ou "telefone" entre o mundo material e o espiritual. Não é superpoder, não te faz melhor que ninguém. Na Umbanda, a mediunidade é uma ferramenta de trabalho para a caridade, uma missão, e nunca, jamais, uma profissão.
E quem são os espíritos que usam essa "ponte" para vir trabalhar? São os nossos queridos Guias Espirituais. São espíritos que já viveram na Terra, passaram por suas lutas e aprendizados, e hoje escolheram voltar para nos ajudar, sob a bandeira da Umbanda. Eles se organizam em "linhas de trabalho", usando arquétipos que facilitam a nossa compreensão. Os três pilares são:
Caboclos: Representam o arquétipo do índio. São espíritos que se apresentam com a força, a seriedade e a retidão dos povos originários. São diretos, objetivos, grandes conhecedores das ervas, dos rituais de limpeza e da magia da natureza. Quando um Caboclo chega, ele traz a energia da busca, da coragem para enfrentar os desafios e do conhecimento profundo das leis naturais.
Pretos-Velhos: Representam o arquétipo do ancião negro escravizado. São a personificação da sabedoria, da paciência, da humildade e, acima de tudo, do perdão. Viveram as maiores dores que um ser humano pode suportar e, mesmo assim, voltaram para oferecer amor. São os "psicólogos do astral". Com seu cachimbo, seu café e sua fala mansa, eles acalmam nosso coração, ouvem nossas dores e nos ensinam que toda ferida pode cicatrizar.
Crianças (Erês ou Ibeji): Representam o arquétipo da criança. Manifestam a pureza, a alegria, a sinceridade e a esperança que muitas vezes perdemos na vida adulta. A energia deles é de renovação. Com suas risadas, doces e brincadeiras, eles quebram a rigidez dos nossos problemas, nos lembram da leveza da vida e nos mostram que a verdadeira felicidade está na simplicidade.
Essas três linhas formam o triângulo de forças da Umbanda. Mas a família é grande! Temos também os Baianos, com sua alegria e ginga para quebrar demandas; os Boiadeiros, com seu laço para resgatar almas perdidas; os Marinheiros, que nos ajudam a equilibrar nossas emoções; os Ciganos, com sua magia para a prosperidade e o amor, e muitos outros. Cada linha traz uma energia e uma sabedoria específicas para nos ajudar na nossa caminhada.
Sem Medo e Sem Preconceito: A Verdade sobre Exu e Pombagira
Agora vamos falar sério sobre o assunto que mais causa arrepio em quem não conhece: Exu e Pombagira. A primeira coisa que você precisa fazer é apagar da sua cabeça a imagem de diabo, chifre e rabo. Essa associação foi criada pelo racismo religioso, que demonizou as divindades africanas para impor o cristianismo. É uma mentira cruel e ignorante.
Então, quem é Exu de verdade na Umbanda?
Exu é, antes de tudo, um Guardião. Ele é a sentinela, o protetor. É ele quem guarda as portas dos terreiros, as encruzilhadas (os cruzamentos de caminhos, de energias) e a nossa própria casa. Nenhum trabalho espiritual na Umbanda começa sem antes saudarmos e pedirmos licença a Exu, porque é ele quem garante a segurança, quem barra a entrada de espíritos zombeteiros e mal-intencionados. Ele é a "polícia de choque" do astral, que atua na linha de frente.
Além de guardião, Exu é o executor da Lei do Karma, ou Causa e Efeito. Ele não é bom nem mau; ele é justo. Exu lida com a nossa realidade mais terrena, mais "nua e crua": nossos desejos, nossa sexualidade, nossa relação com o dinheiro, nossas ambições. Ele não julga, ele age. Se você planta o bem, Exu te ajuda a colher o bem. Se você planta o mal, é Exu quem vai garantir que você acerte as contas com a Lei Divina. Ele é uma força neutra que reflete a nossa própria intenção. Um Exu que trabalha na Lei de Umbanda (um Exu de Lei) jamais fará o mal por vontade própria.
E a Pombagira? Ela é o lado feminino dessa força. Ela é o arquétipo da mulher livre, dona de si, que não se curva a padrões e preconceitos. Ela representa o desejo que move o mundo, a beleza, a sensualidade, a força e a independência feminina. Ela não é uma "prostituta do inferno", como dizem por aí. Pelo contrário, ela é uma guia poderosa que ajuda principalmente as mulheres (mas não só elas) a resgatarem sua autoestima, a se libertarem de relacionamentos abusivos e a lidarem com suas dores e frustrações amorosas.
Exu e Pombagira nos ensinam uma lição poderosa: a espiritualidade não exige que a gente negue nossa humanidade. Não precisamos reprimir nossos desejos ou nossa vida material para sermos evoluídos. O que precisamos é de equilíbrio. E são eles os guardiões que nos ajudam a encontrar esse equilíbrio no meio do caos da vida real.
A Prática no Dia a Dia: Fé, Firmeza e Pé no Chão
Ok, mas como tudo isso funciona na prática? Existem algumas regras e princípios que todo terreiro de Umbanda sério segue à risca.
Primeiro: "Quanto custa?". Nada. Zero. Na Umbanda de verdade, a caridade é inegociável. Não se cobra por consulta, por passe, por trabalho espiritual, por nada. Os terreiros se mantêm com a contribuição voluntária dos próprios médiuns da casa e, às vezes, com doações ou eventos para arrecadar fundos para o aluguel e as contas. Se alguém te cobrar por "trabalho", desconfie e saia correndo.
Segundo: "Tem sacrifício de animais?". Não. Ponto final. O sacrifício de animais não é um fundamento da Umbanda. Essa é uma das principais diferenças para algumas nações de Candomblé. Nossa aliança é com a vida, e nossos rituais usam a força das ervas, das velas, da água, e não do sangue.
Terceiro: O verdadeiro trabalho é interno. De nada adianta ir ao terreiro toda semana se, fora dali, você continua sendo uma pessoa egoísta, fofoqueira ou preconceituosa. O principal trabalho que a Umbanda propõe é a reforma íntima: o esforço diário de olhar para dentro, reconhecer seus defeitos e lutar para ser uma pessoa melhor. A mediunidade sem essa busca por evolução moral é como dar uma arma carregada para uma criança: perigosa.
E os rituais que você vê?
Velas, Ervas e Defumação: Não são "bruxaria". São ferramentas de magia. A vela concentra e direciona nossa intenção. As ervas, em banhos ou na defumação (aquela fumaça cheirosa que passam no terreiro), limpam nosso campo energético de energias pesadas, assim como um banho de chuveiro limpa o corpo físico.1
Oferendas: Quando levamos flores, frutas ou bebidas para a natureza (mata, cachoeira, praia), não é para "alimentar o santo". É um ato de gratidão, uma forma de devolver à natureza um pouco da energia (axé) que recebemos dela e de nos conectar com a vibração dos Orixás que regem aquele local.
Umbanda é um Caminho de Portas Abertas
A Umbanda é uma religião brasileira, que nasceu da necessidade de acolher a todos. Acreditamos em um Deus único, e os Orixás são suas manifestações na natureza. Trabalhamos com espíritos de luz (Caboclos, Pretos-Velhos, Crianças e tantos outros) que vêm à Terra, através de médiuns, para praticar a caridade. E entendemos Exu e Pombagira como guardiões da Lei Divina, que nos ajudam a ter equilíbrio na nossa vida terrena.
A Umbanda não tem dogmas rígidos, não te obriga a nada. Ela é um caminho de liberdade, amor e responsabilidade. É um convite para você olhar para dentro de si e para o mundo com mais respeito e compaixão.
Espero que essa nossa troca de ideia tenha ajudado a clarear as coisas. Se um dia você sentir o chamado, procure um terreiro sério, vá com o coração aberto, sem medo e sem preconceito. Você pode se surpreender com a força e o amor que vai encontrar lá.
Que Oxalá abençoe a todos. Saravá!