Como funciona a Incorporação na Umbanda


Vamos falar de um dos assuntos que mais gera curiosidade, arrepio e, vamos ser sinceros, papo furado por aí: a incorporação na Umbanda. Se você já pisou num terreiro ou só ouviu falar, com certeza já se perguntou como é que funciona essa "parada" de um espírito "baixar" numa pessoa. Rola um medo, uma fascinação, e um monte de perguntas: O médium apaga? Ele lembra de alguma coisa? Quem são esses espíritos? É perigoso?
A verdade é que a incorporação é um dos fenômenos mais lindos e profundos da nossa religião, mas a falta de informação e o preconceito criaram uma névoa de mistério e medo em volta dela. Muita gente vive com a mediunidade aflorada, sofrendo, com a vida travada, justamente por ter medo de "receber espíritos", quando na verdade esse dom é uma ferramenta de cura e evolução.
Esse medo é normal, mas é a ignorância que causa o desequilíbrio. Quando um médium está começando, é comum se sentir inseguro e temeroso, e essa instabilidade pode até atrair espíritos que não são tão legais assim, como sofredores e obsessores, que dificultam o processo. Por isso, entender como a incorporação funciona não é só matar a curiosidade; é uma forma de se firmar, de se proteger e de entender a grandeza do trabalho.
Antes de mais nada, você precisa sacar uma coisa: a Umbanda é um grande "pronto-socorro espiritual". Tudo, absolutamente tudo que acontece dentro de um terreiro, desde o ponto cantado até a fumaça do charuto do Caboclo, tem um único objetivo: a caridade. E a incorporação é a principal ferramenta desse pronto-socorro. É através dela que os médicos do espírito, os nossos guias, vêm para o lado de cá para nos dar o passe, o conselho, o abraço e a força que a gente precisa.
Então, relaxa, pega um café (ou uma água, se preferir) e vem comigo. A gente vai desvendar juntos o que é a incorporação, quem são os espíritos que se manifestam, por que eles vêm e, o mais importante, qual é o papel e a responsabilidade gigantesca do médium nesse processo todo.
Para Entender a Incorporação, Você Precisa Entender a Umbanda
Antes de a gente mergulhar de cabeça no "como" a incorporação acontece, a gente precisa dar um passo atrás e firmar o chão onde a gente pisa. Não dá pra entender a mecânica de um carro sem saber que ele tem um motor, certo? Com a incorporação é a mesma coisa. O "motor" de tudo na Umbanda é a nossa teologia, a nossa forma de entender Deus e o mundo espiritual. E é aqui que a gente já quebra o primeiro e maior mito sobre a nossa religião.
Um Deus Só, Nosso Pai Olorum
Vamos direto ao ponto: a Umbanda é monoteísta. Sim, você leu certo. A gente acredita em um único Deus, Supremo Criador de tudo e de todos, que chamamos por vários nomes, como Zambi, Tupã, mas mais comumente por Olorum. Ele é a origem, o meio e o fim. Tudo vem Dele, tudo está Nele. Quem acha que a gente cultua vários deuses está redondamente enganado, geralmente por olhar de fora e não entender a nossa estrutura. Essa crença num Deus único é a base, o alicerce de toda a nossa fé e de todo o nosso trabalho.
Então, Quem São os Orixás?
"Ah, mas e Iemanjá? E Ogum? E Xangô?". Calma, a gente chega lá. Se Olorum é o Criador, os Orixás são as Suas qualidades divinas, Suas manifestações, Seus poderes. Pensa assim: Deus é tão imenso, tão infinito, que a gente não consegue nem começar a entender a Sua totalidade. Então, Ele se manifesta para nós através de "qualidades" ou "mistérios" que a gente consegue compreender: o Amor, a Justiça, a Lei, a Fé, o Conhecimento... Cada uma dessas qualidades divinas é um Orixá.
Eles são os "governadores da criação", as forças da natureza que regem o mundo. Iemanjá é a manifestação do poder gerador da vida de Olorum nos mares; Xangô é a manifestação da Justiça divina nas pedreiras e no fogo; Oxóssi é a manifestação do Conhecimento divino nas matas, e por aí vai. Eles não são deuses menores competindo entre si; são faces do mesmo Deus, trabalhando em perfeita harmonia. Para quem vem de outra tradição, uma boa analogia seria pensar nos Arcanjos da tradição judaico-cristã: seres divinos poderosíssimos que executam a vontade de Deus em Seus diferentes domínios.
Essa estrutura é fundamental. A existência de um Deus único, Olorum, e de Seus Orixás como regentes da Lei Maior, garante que o universo espiritual da Umbanda não seja uma bagunça. Existe uma ordem, uma hierarquia e uma lei que governa tudo. Sem essa base, a ideia de receber milhares de espíritos diferentes poderia parecer uma anarquia espiritual. Mas com essa estrutura, a gente entende que todo trabalho mediúnico, incluindo a incorporação, é um ato disciplinado, ordenado e sancionado por essa Lei Divina. É essa organização que faz o "pronto-socorro" ser seguro e eficaz.
A Grande Diferença: Orixá NÃO Incorpora
Agora, o pulo do gato, a informação que muda todo o jogo e que muita gente confunde: Orixá não incorpora. Pelo menos, não da forma como a gente entende a incorporação de um guia espiritual num terreiro. Orixás são forças puras da natureza, são vibrações divinas primordiais, "estados do Criador". Eles não são espíritos que já tiveram uma vida humana como a nossa. Eles são a própria Lei, o próprio Amor, a própria Justiça em sua essência mais pura.
O que acontece é que os médiuns e o terreiro vibram na energia daquele Orixá. Numa gira de Ogum, por exemplo, é a força ordenadora e guerreira de Ogum que está presente, dando sustentação a todos os trabalhos. O médium pode até ter manifestações que remetem ao Orixá, com danças e movimentos rituais, mas quem está ali, de fato, trabalhando e falando, é um espírito que atua sob a regência daquele Orixá. E esses espíritos, a gente chama de Naturais ou Encantados, da realidade vibracional daquele Orixá.
A Missão é Uma Só: Caridade
E por que esses guias vêm? Qual o objetivo de toda essa complexa engenharia espiritual? A resposta é uma só, e foi dada pelo próprio fundador espiritual da nossa religião, o Caboclo das Sete Encruzilhadas: a caridade. "A Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade". Ponto final. Esse é o mandamento máximo. Todo e qualquer espírito que tem a permissão para incorporar num terreiro de Umbanda vem com essa única missão: ajudar, orientar, curar, amparar. Se não for para isso, não é Umbanda.
Com essa base firme, agora sim, a gente pode começar a entender quem são esses trabalhadores da luz que vestem a roupagem de Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças para cumprir essa missão.
Quem São os Guias que "Baixam" no Terreiro?
Agora que a gente já sabe que quem incorpora não é o Orixá, mas sim espíritos que trabalham em suas linhas, a pergunta é: quem são esses espíritos? De onde eles vêm? A resposta é linda e mostra a universalidade da Umbanda: eles são espíritos que já viveram na Terra, como nós. São nossos irmãos mais velhos na jornada evolutiva, de todas as raças, credos e cantos do mundo, que alcançaram um grau de luz que lhes permite voltar para nos ajudar.
Para se organizarem e para que a gente possa entender suas diferentes "especialidades", eles se apresentam em "Linhas de Trabalho", cada uma com um arquétipo, uma energia e uma forma de atuar bem específica. As três linhas fundamentais, o pilar de sustentação dos trabalhos, formam o que a gente chama de "Triângulo de Forças da Direita".
O Triângulo de Forças da Direita
Esses três arquétipos não foram escolhidos por acaso. Eles representam um sistema de apoio espiritual e psicológico completo, que espelha as fases ideais da jornada humana: a força da maturidade, a sabedoria da velhice e a pureza da infância. Quando alguém chega num terreiro, geralmente está precisando de uma dessas três energias para reequilibrar a vida. É uma engenharia divina perfeita.
Caboclos: A Força Reta da Mata
O arquétipo do Caboclo é o do espírito indígena ou do sertanejo mestiço: altivo, sério, de poucas palavras, mas com uma força que parece mover montanhas. Quando um Caboclo chega no terreiro, o ambiente muda. O ar fica mais denso, a gente sente a firmeza no chão. Seu brado é um mantra que limpa o ambiente e afasta qualquer energia negativa.
Eles são os grandes conhecedores das ervas e da magia da natureza. São os "médicos" do corpo e da alma, que usam o poder das folhas, das matas, das cachoeiras para curar nossas dores. A fala deles é reta, direta. Um Caboclo não vai passar a mão na sua cabeça se você estiver errado. Ele vai te dar o "choque de realidade" que você precisa, com firmeza, mas com um amor profundo. Eles representam a força de vontade, a coragem para caçar nossos objetivos (não é à toa que são regidos principalmente por Oxóssi, o Orixá da caça e do conhecimento) e a retidão de caráter. "Caboclo" não é só uma raça, é um grau espiritual, uma patente para espíritos de grande sabedoria que escolheram esse arquétipo para trabalhar.
Pretos-Velhos: A Sabedoria Humilde da Senzala
Se o Caboclo é a força que impulsiona, o Preto-Velho é o colo que acolhe. O arquétipo é o do negro ancião, que carrega nas costas curvadas o peso do cativeiro, mas nos olhos um brilho de sabedoria e amor infinitos. Quando Vovô ou Vovó senta no seu toquinho, o tempo parece parar. A voz é mansa, o cachimbo solta uma fumaça que acalma a alma, e o simples ato de "benzer" com um galhinho de arruda parece tirar toneladas das nossas costas.
Eles são os psicólogos do espírito. São mestres em ouvir, em entender as dores mais profundas da nossa alma, aquelas que a gente nem tem coragem de admitir pra nós mesmos. Com eles, a gente chora, desabafa, e sai sentindo uma paz que não tem explicação. Eles nos ensinam sobre paciência, humildade, perdão e fé. E não se engane pela aparência simples: por trás daquele arquétipo humilde estão alguns dos espíritos mais evoluídos que trabalham na Umbanda, que escolheram essa roupagem justamente para nos ensinar que a verdadeira sabedoria não está nos títulos ou na arrogância, mas na simplicidade e no amor.
Crianças (Erês): A Pureza que Desarma
E para completar o triângulo, vem a alegria contagiante da Linha das Crianças, também conhecidos como Erês ou Ibeji. O arquétipo é o da criança pura, sincera, brincalhona e cheia de vida. Quando a "gira vira pra criança", o terreiro se enche de risadas, de correria, de doces e refrigerantes. A energia fica leve, alegre.
É fundamental quebrar um mito aqui: os Erês não são espíritos de crianças que morreram de forma trágica. Essa é uma visão equivocada e triste. Na maioria das vezes, são seres encantados da natureza ou espíritos muito antigos e de grande poder, que se manifestam com essa energia infantil porque a pureza e a sinceridade de uma criança são as armas mais poderosas para quebrar demandas, desmanchar a negatividade e trazer alegria de volta para corações amargurados. Uma criança não tem filtro, ela fala a verdade que a gente precisa ouvir, mas de um jeito tão puro que não machuca. Eles curam pela alegria, pela simplicidade e pelo amor incondicional.
Desvendando o Mistério da Esquerda
Agora, vamos falar daquela parte da Umbanda que mais sofre com o preconceito: a Esquerda. Muita gente, por ignorância ou má-fé, associa Exu e Pombagira ao diabo cristão, ao mal, à "magia negra". E eu te digo com toda a certeza do meu coração: isso é a maior besteira e a maior injustiça que se pode cometer.
A Esquerda na Umbanda não é o "mal". Pensa na polaridade de uma pilha: existe o polo positivo e o negativo. Um não funciona sem o outro, e nenhum deles é "mau". Eles são complementares. A Direita (Caboclos, Pretos-Velhos) trabalha com as energias mais sutis, construtoras. A Esquerda trabalha com as energias mais densas, de consumo, de esgotamento. São eles que lidam com o "lixo" astral, que atuam nas zonas mais pesadas e que nos protegem das energias mais negativas.
Exu é o nosso guardião. É o sentinela da porteira do terreiro e da nossa vida. É ele quem nos protege de ataques espirituais, quem corta as demandas enviadas contra nós. Ele é o agente da Lei de Causa e Efeito, o executor da Justiça Divina nos planos mais densos. Por isso, ele é sério, às vezes irônico e direto. Ele não tem tempo pra rodeios, porque o trabalho dele é pesado. Ele é a "polícia de choque" do astral, que vai onde nenhum outro guia vai para nos defender. É fundamental diferenciar o
Orixá Exu, que é um mistério divino regente do vazio, da entidade Exu, que é o espírito que trabalha nessa linha, sob a regência do Orixá.
Pombagira é a força feminina da Esquerda. Se Exu é a Lei e a Ordem, Pombagira é a senhora do desejo, da paixão, da intensidade e do movimento. Ela é o arquétipo da mulher livre, forte, dona de si, que não se curva a preconceitos. Ela entende como ninguém as dores e as delícias das relações humanas. É a ela que muitos recorrem quando o coração está partido, quando a autoestima está no chão, quando precisam de força para se levantar e seguir em frente. Ela é uma psicóloga poderosa, que nos ensina a nos amar e a ter coragem de desejar, de querer mais da vida.
E sobre o charuto, a cachaça (marafo), a gargalhada alta? São ferramentas de trabalho! O álcool é um elemento de altíssimo poder de limpeza e desagregação energética. A fumaça do charuto ou do cigarro é uma forma de defumação concentrada, que limpa nosso campo áurico. A gargalhada não é deboche, é um mantra poderoso que quebra as correntes energéticas negativas. Não são vícios, são instrumentos magísticos de quem trabalha na linha de frente da batalha espiritual.
Como a conexão acontece na prática?
Ok, agora que a gente já sabe quem são os trabalhadores, vamos para a parte técnica. Como, afinal, um ser espiritual, sem corpo físico, consegue falar e se movimentar através de uma pessoa de carne e osso?
Não é Posse, é Acoplamento Energético
A primeira coisa a se entender é: incorporação não é possessão. Não é um espírito invadindo e tomando o corpo do médium à força. É um processo consensual, uma parceria, um "acoplamento" energético. O espírito guia, com a permissão do médium, acopla seu perispírito (o corpo espiritual) ao perispírito e aos centros de força (chacras) do médium. A partir daí, ele pode usar o aparelho fonador, os membros e os sentidos do médium para se comunicar e trabalhar. O médium funciona como um "aparelho", um "tradutor" ou um "cavalo", como se diz popularmente, que empresta sua "matéria" para que o trabalho espiritual possa acontecer no plano físico.
Os Níveis de Consciência: "Eu apago ou fico acordado?"
Essa é a pergunta de um milhão de dólares para todo médium iniciante. E a resposta é: depende. Existem diferentes níveis de consciência durante a incorporação, e nenhum é "melhor" ou "mais forte" que o outro. Eles apenas refletem o tipo de sintonia e o grau de desenvolvimento daquela dupla médium-guia.
Incorporação Inconsciente: O médium "apaga" completamente e não se lembra de nada do que aconteceu. É o tipo mais raro hoje em dia. Antigamente, era mais comum, mas também ele não aprende nada já que seu Guia está trabalhando e o médium não tem o aprendizado do seu Guia durante a Gira
Incorporação Semi-consciente: É o tipo mais comum. O médium fica num estado alterado de consciência, como se estivesse sonhando. Ele tem flashes, ouve trechos de conversas, sente as emoções, mas não tem controle total. Geralmente, perde a noção do tempo e, depois que o guia "sobe", as lembranças são vagas e fragmentadas.
Incorporação Consciente: O médium permanece consciente durante todo o processo. Ele ouve tudo, vê tudo (com os olhos da mente), mas entrega o controle de suas ações e de sua fala para o guia. Esse tipo de incorporação exige uma confiança gigantesca em si mesmo e um nível de disciplina e entrega muito grande do médium, para que seu próprio ego e pensamentos (o famoso "animismo") não interfiram na comunicação.
É um mito perigoso achar que só o médium inconsciente é "bom". Muitas vezes, uma incorporação consciente e fluida demonstra uma sintonia tão fina e uma parceria tão harmoniosa entre o médium e o guia que não há necessidade de "desligar" a consciência do médium. Isso acontece porque, com o tempo e com o trabalho de reforma íntima, a frequência vibratória do médium se eleva e se aproxima da frequência do guia, diminuindo o "atrito" energético e permitindo uma conexão mais suave e integrada. É sinal de desenvolvimento, e não de fraqueza.
O Papel da Energia (Ectoplasma)
Para que o espírito consiga atuar no nosso mundo denso, ele precisa de um tipo específico de energia, uma "ponte" entre o mundo espiritual e o material. Essa energia, que a gente pode chamar de bioenergia ou ectoplasma, é doada pelo médium. É uma energia sutil, semi-material, que todos nós temos. O médium de incorporação, chamado de "médium de suporte" nesse aspecto, tem a capacidade de exteriorizar essa energia em maior quantidade, permitindo que o guia a utilize para se manifestar, para movimentar objetos (como guias e pembas) e para realizar curas e limpezas energéticas.
O Ambiente do Terreiro
A incorporação não acontece de qualquer jeito, em qualquer lugar. O terreiro é um espaço sagrado e preparado energeticamente para que essa conexão ocorra com segurança. Os pontos cantados (as músicas sagradas), os pontos riscados (os símbolos desenhados com pemba) e a defumação (a queima de ervas) não são folclore.
Os pontos cantados são mantras poderosos que elevam a vibração do ambiente e dos médiuns, chamando as falanges espirituais para o trabalho.
Os pontos riscados são selos mágicos, verdadeiros portais que as entidades "assinam" no chão para firmar sua energia, criar um campo de proteção e direcionar as forças que serão manipuladas.
A defumação limpa o ambiente de energias negativas, larvas astrais e miasmas, preparando o "campo cirúrgico" para que os guias possam trabalhar sem interferências.
Todos esses elementos juntos criam uma egrégora, um campo de força de alta vibração que protege os trabalhos e facilita a sintonia entre os médiuns e seus guias.
O Médium: A Peça-Chave (e a Mais Responsável) do Jogo
Até agora, falamos muito dos espíritos, da energia, do ambiente. Mas nada disso funciona sem a peça central, o elo de ligação entre os dois mundos: o médium. E é aqui que mora a maior responsabilidade e o maior desafio.
A Necessidade do Estudo e do Desenvolvimento
Ninguém nasce pronto. A mediunidade é como um músculo: precisa ser exercitada, desenvolvida e disciplinada para ser usada de forma correta e segura. Por isso, todo médium precisa passar por uma "gira de desenvolvimento", onde, sob a orientação de um dirigente sério e com o amparo da corrente, ele vai aprender a educar sua mediunidade, a diferenciar suas próprias energias das energias dos guias, e a se firmar para o trabalho. Estudar a doutrina, ler bons livros e, principalmente, ouvir os mais velhos é fundamental.
A "Reforma Íntima": O Trabalho que Ninguém Vê, Mas que Define Tudo
Esse é, sem dúvida, o ponto mais importante de todos. A reforma íntima é o trabalho diário e constante de se tornar uma pessoa melhor. É olhar pra dentro, com honestidade, e combater os próprios defeitos: o ego, a vaidade, o orgulho, o preconceito, a raiva, a fofoca. E, ao mesmo tempo, cultivar as virtudes: a humildade, a paciência, o perdão, a compaixão, o amor.
Por que isso é tão crucial? Porque o mundo espiritual funciona como um espelho. Ele reflete quem nós somos. Um médium que não trabalha sua reforma íntima, que é vaidoso, fofoqueiro ou mal intencionado, está vibrando numa frequência baixa. E adivinha que tipo de espírito ele vai atrair? Exatamente. Espíritos de baixa vibração, que vão se aproveitar dessas brechas para causar confusão. A reforma íntima é a maior proteção que um médium pode ter.
Animismo, Mistificação e Obsessão
A falta de estudo e de reforma íntima abre a porta para os três grandes perigos da prática mediúnica:
Animismo: É quando a personalidade e as ideias do próprio médium interferem na comunicação do guia. É o médium "passando a frente da entidade". Ele não faz por mal, mas sua mente está tão cheia de suas próprias opiniões que ele acaba misturando tudo. O guia fala "A" e o médium entende e fala "B", porque "B" é o que ele já pensava sobre o assunto.
Mistificação: Aqui a coisa é mais grave. A mistificação é a fraude consciente. É a pessoa que não está incorporada, mas finge que está, seja por vaidade, para ganhar status no terreiro, ou por outros motivos. É um desrespeito profundo com a espiritualidade.
Obsessão: É o resultado final de um médium que não se cuida. Quando o ego e a falta de reforma íntima afastam os guias de luz, abre-se um vácuo. E esse vácuo é rapidamente preenchido por espíritos desequilibrados ou mal-intencionados (os kiumbas), que começam a exercer uma influência negativa sobre a vida do médium, levando-o a problemas sérios de saúde, financeiros e emocionais.
Esses perigos não são para assustar, mas para alertar. Eles mostram que a mediunidade é coisa séria e exige responsabilidade. O melhor escudo contra tudo isso não é um amuleto ou uma reza forte, mas sim o esforço contínuo de ser uma pessoa íntegra, humilde e caridosa.
Incorporar é um Ato de Amor, Confiança e Serviço
Chegamos ao fim do nosso papo. E espero que, agora, a palavra "incorporação" tenha um novo significado para você. Longe de ser uma possessão assustadora, a incorporação na Umbanda é um dos atos mais sublimes de parceria entre os dois mundos.
É um ato de amor dos guias espirituais, que abrem mão de seu descanso na luz para descer nas vibrações mais densas da Terra e nos estender a mão. É um ato de confiança do médium, que entrega seu bem mais precioso – seu próprio corpo – como ferramenta para a caridade. E é, acima de tudo, um ato de serviço à Lei Maior de nosso Pai Olorum, um trabalho incansável para aliviar o sofrimento humano e ajudar cada um de nós a encontrar nosso próprio caminho de evolução.
A incorporação é o elo vivo que nos conecta diretamente com a sabedoria, a força e o amor do plano espiritual. É a prova de que nunca estamos sozinhos e de que sempre há uma mão amiga pronta para nos levantar. É a Umbanda em sua mais pura essência: a manifestação do espírito para a prática da caridade.
Que Oxalá abençoe a todos!