Orixá Ogum: O Senhor dos Caminhos e da Lei Maior


Sabe aquele momento na vida em que parece que nada anda? Você rema, rema, rema e morre na praia. O projeto não sai do papel, a porta de emprego não abre, o relacionamento empaca, a energia simplesmente não flui. Parece que tem um muro invisível na sua frente, uma barreira que te impede de seguir. A gente se sente cansado, frustrado, impotente. É uma sensação de estagnação que sufoca, que tira a esperança.
Pois é, meu povo. É exatamente nessa hora, quando a estrada da vida parece bloqueada, que a gente precisa entender de quem é a chave que abre todas as porteiras. É nesse momento que a gente aprende, na marra ou no amor, a chamar por Ogum.
Muita gente, quando ouve falar de Umbanda, pensa logo num monte de coisa, mas a verdade é que a nossa religião é, antes de tudo, um grande pronto-socorro espiritual. E em todo pronto-socorro, você precisa daquele que chega primeiro, que abre o caminho, que age rápido para resolver a emergência. Esse é Ogum. Ele é o Orixá da ação, do movimento, daquele impulso divino que nos tira da inércia e nos coloca de pé para lutar.
Quando a gente fala em "abrir caminhos", não é só uma força de expressão. É a especialidade Dele. Pensa nos Exus que trabalham sob a sua irradiação, como o Seu Tranca Ruas ou o Seu 7 Lanças. A função deles é exatamente essa: romper barreiras, quebrar o que está impedindo o fluxo, cortar as demandas que nos amarram. Essa força toda vem da vibração original de Ogum. Ele é o Orixá que rege a própria ideia de "ir para a frente". Ele representa a nossa capacidade de agir, de tomar as rédeas da nossa própria vida e dizer: "Daqui pra frente, quem manda sou eu, sob a proteção da Lei Maior".
Então, se você está se sentindo travado, paralisado pelos problemas, saiba que existe uma força divina pronta para te entregar a espada e te mostrar a direção. Essa força tem nome, e o nome dela é Ogum.
Pode Parar com a Ideia de "Deus da Guerra": Ogum é Lei, Ordem e Progresso.
Agora, vamos alinhar uma coisa muito importante, porque eu vejo essa confusão o tempo todo. As pessoas ouvem "Ogum", pensam em São Jorge matando o dragão, e já carimbam: "ah, é o deus da guerra". Calma lá. Reduzir Ogum a isso é como olhar para o sol e dizer que ele só serve para queimar a pele. É uma visão pequena, limitada e que perde toda a profundidade do que esse Orixá representa.
Ogum não é o Orixá da guerra pela guerra, da violência pela violência. Ele é o Orixá da Lei. Na teologia da Umbanda, a gente aprende que os Orixás são qualidades divinas do nosso Criador, Olorum. E Ogum é, em sua essência, a "qualidade ordenadora de Olorum". Pensa nisso por um segundo. Ele é o princípio divino que coloca as coisas em ordem. A guerra dele não é contra pessoas, é contra o caos. A batalha dele é para estabelecer a ordem, para garantir que a Lei Maior seja cumprida e que o equilíbrio e a harmonia possam existir.
A Lei de Ogum não é punitiva como a lei dos homens, que muitas vezes é cega e vingativa. A Lei dele é corretiva. Ela age para paralisar o que está errado, para cortar o excesso, para reordenar o que saiu do eixo e permitir que a vida siga seu fluxo correto. É como um engenheiro cósmico que garante que a estrutura da Criação não desmorone.
E é aí que entra a outra face dele, que é fascinante e super atual: Ogum é o senhor da tecnologia e do progresso. Pensa comigo: o que é a tecnologia senão a aplicação de leis (físicas, químicas) para criar ferramentas que nos fazem progredir? A primeira vez que um ancestral nosso pegou uma pedra e a transformou numa lança, a energia de Ogum estava ali. Quando o ferro foi forjado pela primeira vez, mudando a história da humanidade, era Ogum se manifestando. A estrada de ferro que cortou continentes, o carro que nos leva de um lado para o outro, o computador que você está usando para ler isso agora... tudo isso é domínio de Ogum.
Ele é o patrono dos ferreiros, dos engenheiros, dos soldados, dos agricultores, de todos aqueles que usam ferramentas e aplicam a lei para criar, para construir, para avançar. A energia dele é a da vanguarda, daquele que está sempre na frente, abrindo a picada na mata para que os outros possam passar. Então, da próxima vez que você pensar em Ogum, não pense só na espada. Pense na locomotiva, no bisturi do cirurgião, no código do programador. Pense na ordem que permite o progresso. A guerra de Ogum é contra a estagnação. A vitória dele é a civilização.
O Dono da Estrada e do Ferro: Entendendo os Símbolos e a Força de Ogum.
Para a gente se conectar de verdade com um Orixá, a gente precisa entender a linguagem dele. E a linguagem dos Orixás são os símbolos, os elementos, os pontos de força na natureza. Cada um desses elementos é uma chave que abre uma porta para a sua energia, para o seu axé. Com Ogum, essa linguagem é direta, forte e cheia de significado.
Vamos começar pelo mais óbvio: a espada. A espada de Ogum não é só uma arma. No plano espiritual, ela é a ferramenta que corta as energias negativas, que desfaz magias, que rompe as correntes invisíveis que nos prendem. Quando um Caboclo de Ogum risca o ponto dele com uma pemba, ele está, simbolicamente, desembainhando essa espada para limpar o campo energético à sua volta. Pedir a proteção da espada de Ogum é pedir que ele corte de nossa vida toda a demanda, toda a inveja, toda a energia densa que tenta nos derrubar.
Depois, temos o ferro. Ogum é o senhor dos metais, mas o ferro é o seu elemento por excelência. O ferro é o que dá estrutura, é o que constrói as ferramentas que erguem cidades. Ele representa a resiliência, a força bruta que, quando trabalhada (forjada no fogo, outro elemento ligado a ele), se transforma em algo útil e poderoso. Ter a proteção de Ogum é ter a firmeza do ferro, a capacidade de aguentar o calor da batalha e sair dela mais forte e moldado para um propósito.
As estradas e os caminhos são o seu reino. Seja uma estrada de terra, uma rodovia asfaltada ou os trilhos de um trem, ali é ponto de força de Ogum. Por quê? Porque a estrada é a representação máxima do movimento, da jornada, do progresso de ir de um ponto A para um ponto B. A vida é uma estrada, cheia de encruzilhadas, retas e curvas. Ogum é o guardião dessa jornada. Oferendar para ele na beira de um caminho é pedir que ele garanta que nossa viagem pela vida seja segura, sem obstáculos e que a gente sempre saiba qual direção tomar.
As cores dele também falam muito. O vermelho é a cor mais associada a ele, simbolizando a paixão, a energia, a força da batalha, o sangue que corre nas veias e nos dá vida. Mas o
azul escuro, quase anil, também é sua cor. Esse azul representa a sua faceta de Senhor da Lei, a seriedade, a ordem, a profundidade do céu noturno sob o qual ele monta guarda. Usar uma guia (colar de contas) com essas cores é carregar no peito um emblema da sua proteção.
E, claro, tem a sua bebida, a cerveja branca. Por que cerveja? Porque é uma bebida que vem dos grãos, da agricultura, do trabalho do homem sobre a terra. É uma bebida que representa o sustento, a força que vem do trabalho. Oferecer uma cerveja a Ogum é um ato de reconhecimento e partilha, um brinde à força que ele nos dá para o nosso labor diário. Cada um desses símbolos é um pedaço do axé de Ogum, uma forma de a gente entender e se conectar com essa força implacável e protetora.
Ogum na Umbanda: O Chão é Outro, o Respeito é o Mesmo.
É fundamental entender uma coisa: a Umbanda é uma religião brasileira. Ela nasceu aqui, com a nossa gente, com a nossa mistura. E por isso, a forma como a gente cultua os Orixás tem a nossa cara, a nossa identidade. O Ogum que a gente louva no terreiro de Umbanda, embora seja a mesma força divina, se manifesta de um jeito que é só nosso, diferente de outras religiões de matriz africana, como o Candomblé.
No Candomblé, o culto é mais ligado às tradições de nação africana, com uma ritualística e uma teologia que foram preservadas com o máximo de fidelidade possível. Na Umbanda, aconteceu uma coisa diferente, uma espécie de "aportuguesamento" dos Orixás, como dizem os estudiosos. Os nomes, os rituais, a forma de manifestação, tudo foi adaptado para a nossa realidade. Por exemplo, em vez de qualidades com nomes em yorubá, na Umbanda surgiram os nomes simbólicos: Ogum Beira-Mar, Ogum Rompe-Mato, Ogum de Ronda, Ogum Sete Ondas.
E aqui está a grande chave para entender Ogum na Umbanda: o Orixá é a vibração divina, a força pura, o grande "chefe" daquela linha de trabalho. Mas quem "põe a mão na massa", quem vem no terreiro para conversar com a gente, dar o passe, benzer com a espada, são os seus liderados, os seus falangeiros: os Caboclos de Ogum e os Exus de Ogum.
Os Caboclos de Ogum são espíritos de índios, ou que assumem essa roupagem, que trabalham com uma energia de retidão, seriedade e força impressionantes. São grandes demandadores, especialistas em quebrar magia negativa e em nos dar força e coragem. Eles são a manifestação da Lei de Ogum de forma direta e disciplinada.
Já na esquerda, temos os Exus que respondem a Ogum. Pensa em Exu Tranca Ruas, com sua força de guardião, em Exu Ferrabrás, que domina a forja e a transformação pelo fogo, em Exu Tranca Tudo, com seu domínio sobre as ferramentas e os metais. Eles são a "tropa de choque" de Ogum, aqueles que vão nos lugares mais densos para garantir que a lei seja cumprida, que os caminhos sejam abertos e que a gente esteja protegido. O Orixá é a força universal, e os guias são essa força aplicada de forma especializada e pessoal na nossa vida. É como se Ogum fosse o general, e os Caboclos e Exus fossem os seus oficiais de confiança, cada um com uma missão específica.
E não dá pra falar de Ogum no Brasil sem falar de São Jorge. O sincretismo não foi só uma estratégia de sobrevivência dos escravos. Na Umbanda, ele se tornou uma força espiritual viva. A imagem de São Jorge no cavalo branco, com sua lança vencendo o dragão, se fundiu de tal maneira com a energia de Ogum que hoje é impossível separar. O dragão representa o mal, a demanda, o caos, a energia negativa que tenta nos derrubar. E São Jorge, ou Ogum, é o guerreiro divino que nos dá a certeza de que, por maior que seja o dragão, a Lei e a Luz sempre vencem. Rezar para São Jorge pedindo a força de Ogum é uma das práticas mais poderosas e sinceras da nossa fé.
Como Chamar por Ogum e Sentir a Resposta?
Beleza, já entendemos quem é Ogum, sua força, seus símbolos. Agora a pergunta que não quer calar: "Como eu faço pra me conectar com ele? Preciso fazer um ritual complicado?". A resposta é não. A força de Ogum é direta, objetiva, e a forma de se conectar com ele também é. O que ele mais valoriza é a fé sincera, a coragem no coração e a firmeza no pedido.
A primeira coisa é a intenção. Antes de acender uma vela ou fazer uma oferenda, pare e pense: o que você realmente precisa? É força para encarar um desafio? É proteção contra energias negativas? É a abertura de um caminho profissional? Seja claro e objetivo. Ogum é um general, ele responde a ordens diretas. Fale com ele com respeito, mas com firmeza, como um filho que pede ajuda ao pai.
Um dos jeitos mais simples e poderosos de criar essa conexão é acender uma vela. Uma vela vermelha ou azul escura, num lugar seguro da sua casa (pode ser acima da altura da sua cabeça). Acenda a vela e converse com ele. Faça seu pedido, reze um Pai Nosso, uma Ave Maria, e termine com a saudação dele: "Ogunhê, Meu Pai!". A vela não é um pagamento, é um ponto de luz, uma antena que você ergue para que a sua prece chegue até ele e a energia dele chegue até você.
Se você sentir que precisa de algo mais forte, pode fazer uma oferenda simples em um dos pontos de força dele. Lembre-se: oferenda na Umbanda não é suborno, é um ato de amor, um presente para fortalecer o laço energético. Você pode ir a uma estrada de terra ou a um campo aberto e levar os elementos dele. O básico funciona muito bem: estenda um pano vermelho ou branco, acenda suas velas, coloque um copo com cerveja branca, umas flores vermelhas e, se quiser, um charuto de boa qualidade. Faça seu pedido com fé e agradeça. Deixe a natureza e os guardiões do local cuidarem do resto.
Outra forma poderosa é através dos banhos de ervas. A Espada-de-São-Jorge é a erva principal dele. Você pode macerar algumas folhas em água, mentalizando a proteção dele, e depois do seu banho de higiene, jogar essa água do pescoço para baixo, pedindo que ele te cubra com seu escudo e te revista com sua força.
Mas, sinceramente, a forma mais poderosa de cultuar Ogum é agir. Ele é o Orixá da ação. Então, depois de pedir, levante-se e faça a sua parte. Vá atrás do emprego, tenha aquela conversa difícil, comece aquele projeto. A fé sem ação é vazia. Ogum abre a estrada, mas quem tem que caminhar é você. Ele te dá a espada, mas quem tem que lutar a batalha do dia a dia somos nós. Ao agir com coragem e determinação, você está honrando Ogum da forma mais verdadeira que existe.
Ogunhê, Meu Pai! A Força que Nos Põe de Pé.
Chegando ao final da nossa conversa, o que fica é a certeza de que Ogum é muito mais do que um guerreiro. Ele é um Pai. Um pai enérgico, exigente, que não passa a mão na cabeça, mas que te ensina a lutar, que te dá as ferramentas e que nunca, jamais, te abandona no meio da batalha.
Ele é a força que nos impulsiona quando pensamos em desistir. É a ordem em meio ao nosso caos mental. É a lei que nos protege da injustiça. É o caminho que se abre quando tudo parece fechado. Ogum não nos promete uma vida sem lutas, porque a vida é feita de batalhas. O que ele nos promete é a certeza de que temos a força necessária para vencer cada uma delas.
O maior presente de Ogum não é ele lutar por nós, mas nos dar a coragem, as ferramentas e o caminho livre para que a gente possa lutar por nós mesmos. Ele nos ensina a sermos os ferreiros do nosso próprio destino, a forjar nossa própria vitória no fogo das adversidades. Ter fé em Ogum é ter fé na nossa própria capacidade de superar, de construir e de avançar.
Então, quando a vida te desafiar, quando o dragão da dificuldade cuspir fogo na sua direção, respire fundo. Lembre-se do General da Umbanda, do Senhor da Lei, do Dono das Estradas. Segure firme na sua espada da fé e avance sem medo, pois o grande guerreiro de Aruanda cavalga ao seu lado.
Ogunhê, Meu Pai!