Orixá Iemanjá: A Mãe das Águas e da Geração

Raphael PH. Alves

8/25/20257 min ler

Se você já pisou na areia da praia, olhou para aquela imensidão de água e sentiu algo inexplicável no peito, uma mistura de respeito, paz e um sentimento de estar em casa, então você já sentiu o chamado dela. Odoyá não é só uma palavra, é um suspiro da alma. É o reconhecimento de uma força que nos acolhe, que nos limpa, que nos dá a vida. É saudar a Grande Mãe Universal, Iemanjá.

Falar de Iemanjá é falar da força que nos gerou. É sentir o cheiro de maresia que purifica, ouvir o som das ondas que acalma a mente mais bagunçada e ver no horizonte a prova de que existe algo muito maior que os nossos problemas. Muita gente conhece a imagem da sereia, da rainha de vestido azul com uma coroa de estrelas. É uma imagem linda, poderosa, mas é só a casca. O que a gente vai fazer aqui é mergulhar fundo, passar da arrebentação e entender quem é essa força gigantesca dentro da teologia de Umbanda. Vamos conhecer a Mãe d'Água que é, na verdade, a Mãe de todas as vidas.

Quem é Iemanjá? A Força que Gera, Acolhe e Governa a Vida

Primeira coisa que a gente precisa botar na cabeça: Iemanjá é muito mais do que a "deusa do mar". O mar é o seu reino, seu ponto de força, o lugar onde sua energia vibra na sua forma mais pura e potente. Mas a função dela, o seu axé, o seu mistério divino, é a

Geração. Iemanjá é a sétima essência divina, a energia aquática que representa a própria vida em seu início.

Pensa comigo: a vida não começa na água? Dentro do útero, no líquido amniótico? A ciência não diz que a vida no planeta surgiu nos oceanos? Essa "energia aquática" é a base de tudo que é vivo. Ela está no sêmen, no óvulo, compõe mais de 70% do nosso corpo. Quando a Umbanda diz que Iemanjá é o Orixá da Geração, ela está falando dessa verdade cósmica. Ela é a força que permite que as coisas nasçam, cresçam e se multipliquem. Ela é a própria maternidade divina.

O arquétipo dela é o da Grande Mãe. Ela é a mãe que acolhe todos os filhos, sem distinção. Não é à toa que um de seus títulos é Yèyé omo ejá, que significa "Mãe cujos filhos são peixes". Nós somos os peixes nesse oceano imenso que é a vida, e ela é a mãe que nos nutre e protege. Mas não se engane com a imagem de uma mãe passiva. O oceano que acolhe é o mesmo oceano que tem tsunamis. As ondas de Iemanjá podem lavar a alma e levar embora toda a negatividade, mas também podem ser rigorosas e cobrar o respeito que uma força da natureza exige. Ela é amor, mas também é lei. É calmaria e tempestade.

Como todo Orixá, Iemanjá é uma divindade da natureza, uma manifestação direta do poder de Olorum, o Deus Criador. Ela não é uma "representação" do mar; ela

é o mar em seu aspecto divino. Por isso, quando estamos na beira da praia, estamos literalmente pisando em seu santuário, sentindo sua energia de forma direta e palpável.

Iemanjá no Trono da Geração

Para entender a real dimensão de Iemanjá, a gente precisa olhar para a estrutura da Umbanda. A criação, para nós, é sustentada por Sete Linhas, sete vibrações divinas que são como os pilares do universo: Fé, Amor, Conhecimento, Justiça, Lei, Evolução e Geração. Iemanjá é a regente do Sétimo Trono, o Trono Sagrado da Geração. Ela é a base que permite que a vida se manifeste.

E aqui entra um dos conceitos mais bonitos e profundos da nossa religião: os Orixás não atuam sozinhos. Eles formam pares divinos, polos opostos e complementares que garantem o equilíbrio de tudo. O par de Iemanjá, a mãe da vida, cujo elemento é a água, é Omolu, o senhor da terra, que rege a passagem, a transmutação da matéria, o fim dos ciclos.

Pode parecer estranho: a Senhora da Vida e o Senhor da Morte. Mas não é uma luta entre bem e mal. É o ciclo sagrado da existência. Iemanjá gera a vida em suas águas; Omolu acolhe essa vida em sua terra ao final do ciclo, paralisando os desequilíbrios e preparando o espírito para um novo começo. Ela é o começo, ele é o fim que permite um novo começo. Um não existe sem o outro. Iemanjá é a "mãe generosa" e Omolu, o "pai rigoroso". Juntos, eles são o motor divino que gira a roda da vida, da morte e do renascimento, garantindo a nossa evolução.

É claro que não podemos esquecer do sincretismo. Durante a escravidão, para poderem cultuar seus Orixás sem serem perseguidos, os africanos associaram suas divindades aos santos católicos. Iemanjá foi sincretizada com Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Glória, entre outras. Essa foi uma estratégia de resistência e sobrevivência cultural de um valor inestimável. Mas é fundamental entender que essa foi uma ponte, não o destino final. Iemanjá é uma força da natureza, uma divindade com sua própria história, seus próprios mitos e seu poder único, muito anterior à santa com quem foi associada.

O Povo do Mar: As Falanges que Trazem o Axé de Iemanjá

Um Orixá é uma energia divina pura, uma força da natureza. Essa energia é tão vasta que, para que ela possa atuar diretamente nos nossos problemas do dia a dia, existem os Guias Espirituais. Eles são espíritos que já viveram, evoluíram e hoje trabalham sob a bandeira de um Orixá, aplicando o axé daquela divindade de forma direcionada para nos ajudar. Sob a irradiação de Iemanjá, temos falanges de trabalhadores maravilhosos, conhecidos como o Povo do Mar.

A Linha dos Marinheiros

Quem já viu uma gira de Marinheiro sabe a alegria que eles trazem. São espíritos que, em sua maioria, tiveram suas vidas ligadas ao mar. Chegam com seu andar gingado, balançando como se estivessem em um navio em alto mar. Esse balanço não é embriaguez, como alguns pensam. É a representação da própria vida: um mar de emoções e acontecimentos onde a gente precisa aprender a se equilibrar para não naufragar. Os Marinheiros são especialistas em limpeza energética. Com sua alegria e sua conversa solta, eles quebram as energias mais densas, desatam nós emocionais e nos dão o impulso para sair da estagnação, para "botar o barco pra andar".

Sereias, Ondinas e o Povo d'Água

Diferente dos Marinheiros, muitas dessas entidades são "encantadas", ou seja, são espíritos da própria natureza que talvez nunca tenham tido uma encarnação como ser humano. A manifestação deles é diferente, mais energética e menos falada. Muitas vezes, eles se comunicam através de cantos que parecem choros ou lamentos. Mas não se engane, aquilo não é tristeza. É uma forma de limpeza profundíssima, um som que vibra diretamente na nossa alma e lava as mágoas, os traumas e as dores mais antigas. Eles atuam no nosso inconsciente, nas profundezas do nosso oceano interior, trazendo à tona o que precisa ser curado e purificado.

Existem também as Caboclas d'Água, que trazem a força e a sabedoria feminina das águas, atuando tanto nos rios e cachoeiras de Oxum quanto no mar de Iemanjá, mostrando que as águas sagradas trabalham em união.

Oferendas, Cores e Símbolos

Conectar-se com Iemanjá é um ato de amor. E a oferenda é a forma mais tradicional de materializar esse amor e essa gratidão. Uma oferenda não é um pagamento, é uma troca de energia. É criar uma ponte mágica entre nós e o Orixá, usando elementos que vibram na mesma sintonia que ela, entregues em seu ponto de força.

O principal santuário de Iemanjá é a beira-mar, o encontro da areia com a água. É ali que sua força se manifesta com maior intensidade. Mas, antes de tudo, um recado fundamental: Iemanjá é a Mãe Natureza. E Mãe Natureza não gosta de lixo. Se for oferendar, tenha consciência. Use materiais biodegradáveis (barquinhos de madeira, cestas de vime), evite plásticos, vidros e tudo que polua o reino dela. Ao terminar, recolha o que não for se decompor. A maior oferenda é o respeito.

"Odoyá" ou "Odociaba" são saudações em Yorubá que significam "Mãe do Rio" (uma referência à sua origem mítica), usadas como um chamado respeitoso e amoroso. Cada um desses itens é um código energético. Ao ofertar um espelho, você não está apenas agradando a vaidade dela, está pedindo clareza e autoconhecimento. Ao ofertar flores, você está ativando a energia da paz e da beleza. A oferenda é um ato de magia, uma conversa simbólica com o sagrado.

Iemanjá no Dia a Dia: Sentindo a Mãe em Cada Onda da Vida

Você não precisa morar na praia para sentir a presença de Iemanjá. O axé dela está em cada gota d'água e, principalmente, dentro de nós.

Ela é a protetora da família, do lar, da gestação. Chamar por Iemanjá é pedir harmonia para a sua casa, proteção para os seus filhos, bênçãos para os seus projetos nascerem e prosperarem.

Ela é a grande curadora das emoções. Sabe quando a ansiedade aperta e a mente parece um mar revolto? É a ela que recorremos para acalmar as águas. Quando a tristeza vem, é ela que nos ajuda a "lavar a alma", a deixar que o sentimento flua como a maré, que vem e vai, sem ficar preso, estagnado.

E a sua força de geração não é só biológica. Iemanjá rege a criatividade, o nascimento de ideias, de novos caminhos, de recomeços. Pedir o axé dela é pedir força para se reinventar, para deixar um ciclo velho para trás e começar um novo com a bênção da vida.

Para se conectar com ela no dia a dia, você pode ter um pequeno ponto de firmeza em casa: uma imagem ou uma pedra azul, uma concha, um copo com água e sal. Tome banhos com ervas calmantes, como alfazema ou camomila, pedindo que suas águas sagradas limpem seu corpo e seu espírito. Quando precisar de calma, feche os olhos e visualize as ondas do mar indo e vindo, levando embora tudo que te aflige. A Mãe sempre ouve o chamado de um filho.

Salve a Rainha do Mar!

Iemanjá é a mãe universal, a força que gera e sustenta a vida. É o colo que acalma, o abraço que protege, mas também é a onda forte que nos ensina sobre respeito e sobre os ciclos da existência. Ela é amorosa e implacável, como a própria natureza. Ela nos ensina a fluir, a nos adaptar, a limpar o que não serve mais e a gerar o novo.

Que as águas sagradas de nossa Mãe Iemanjá lavem nossos caminhos, acalmem nossos corações e gerem vida nova em tudo que tocarmos.

Odoyá, minha Mãe! Odociaba!